Um shopping de usados onde a novidade é a
consciência!
Quando
pensamos no conceito de fim da vida útil de um produto (qualquer produto, não
pense só na moda, mas em tudo o que você consome no seu dia-a-dia), é preciso
vencer o estágio atual do “pegar-usar-descartar”, da chamada economia linear, e
pensar numa abordagem mais holística: será que esses produtos poderiam ter mais
de uma vida? E se eles não fossem considerados lixo e virassem insumo ou
nutriente para uma nova cadeia, ou um novo ciclo? E se trocassem de dono após
serem reparados ou transformados? Para evoluirmos nesse novo estágio de
aproveitar melhor os recursos, que não são infinitos, precisamos de um sistema
integrador e regenerativo que faça valer a economia circular, tema muito
explorado no livro Cradle to Cradle*, com o mantra “criar e reciclar
ilimitadamente”.
Ciclo de vida
Não seria
ótimo se os recursos tivessem possibilidade de não se perderem em aterros
sanitários ou incineradoras, gerando perda financeira e poluição, estando aptos
a “voltar ao jogo”? Se pensarmos no vestuário, precisamos entender que as soluções
para o fim da vida útil devem ser integradas durante todo seu ciclo de vida (pense
nas suas roupas e calçados, o que você faz com elas quando as enjoa ou não as
quer mais?), desde o design e a fabricação, passando pelo marketing, varejo e
serviços, até a ajudar os consumidores a prolongarem o uso de suas roupas por
meio de reparos, ajustes, esquemas de devolução, revenda, compartilhamento,
reuso e opções de reaproveitamento. Escolhas de material no estágio de design
desempenham importante papel em soluções para o fim da vida útil, já que
materiais de baixa qualidade e materiais mistos que atualmente dominam a
produção têxtil trazem consideráveis desafios tecnológicos em opções de
reciclagem viáveis. Se entendermos que a roupa mais sustentável do mundo é a
que já existe, talvez estejamos mais perto de uma solução, ao invés de só
criarmos o problema.
Recursos não são infinitos
Este é um
tema muito discutido na atualidade, com tanto desperdício de recursos preciosos
e também porque exige-se um esforço coletivo para uma real mudança de paradigma,
onde todos devem fazer a sua parte para um desenvolvimento sustentável nos negócios,
sem prescindir do papel dos consumidores e suas demandas por produtos e
serviços que se posicionem de forma positiva dentro dos pilares ambiental,
social e econômico. Já existem muitas marcas, lojas e instituições atentas à
política dos Rs (reduzir, repensar, reparar, reusar, ressignificar,
reciclar...), algumas mais no discurso do que nas ações, verdade seja dita, mas
percebe-se cada vez mais a aceitação do público a essas novas formas de
valorizar e recomercializar o que já existe. Um bom exemplo disso é um shopping
que foi lançado em 2015, inteiramente de coisas usadas, e que faz o maior
sucesso. Ele próprio foi construído com materiais de construção de segunda mão. Localizado na Suécia, o ReTuna, é totalmente
dedicado a dar vida nova a itens usados de moda, decoração e mobiliário. Localizado a uma hora de viagem de Estocolmo, na cidade de Eskilstuna, consiste em 14 lojas espalhadas por 5 mil
m², empregando entre 50 e 65 pessoas. ReTuna foi uma brincadeira com o nome da cidade industrial
Eskilstuna, que desde a década de 1990 se esforça para se tornar uma cidade
sustentável. O @retuna_aterbruksgalleria
foi, inclusive, eleito o primeiro shopping center do mundo designado para itens consertados,
reciclados e restaurados, pelo Livro Guinness dos Recordes Mundiais em 2020. Atraindo cerca de
250.000 a 300.000 visitantes por ano, possui dois andares de lojas que vendem
gadgets de tecnologia usados, livros, brinquedos infantis, artigos domésticos,
e roupas, é claro. Como esses modelos de negócio requerem educação para
produção e consumo mais conscientes, o shopping também oferece um curso de um
ano em design de produtos reciclados, recebendo itens passíveis de recuperação
ou restauração para a estação de retorno, previamente separados e
categorizados. A partir dessa “curadoria”, eles são consertados, reparados ou
transformados para serem vendidos no shopping, com base no plano de negócios de
cada loja. O objetivo é explorar uma nova forma de fazer compras que resulte em
menos danos ao meio ambiente. Todas as lojas no shopping devem operar de
maneira ecologicamente correta e, se tiverem de comprar novos produtos - como
café -, os itens devem ser orgânicos ou sustentáveis. Quem entrar no site do
shopping lerá que “Sustentabilidade não é segurar e viver menos - mas conseguir
mais com os recursos que já temos”.
Nivel de
consciência aumentou
As compras em segunda mão aumentaram
na Suécia, onde o “kopskam” (vergonha de comprar) e o “flygskam” (vergonha de
voar) estão pesando na consciência dos suecos. O país pretende ser um líder
ecológico tornando-se neutro em carbono até 2045, e Eskilstuna deseja ser
independente de combustíveis fósseis. Equipada com uma central de coleta
seletiva de última geração, a cidade já recicla ou transforma a maior parte de
seus resíduos em energia. Mas a imagem verde tem algumas manchas. Carros lotam
as ruas e estacionamentos da cidade, incluindo o estacionamento do ReTuna. Embora
os ônibus do centro da cidade já operem com biogás, ainda há muito a fazer para
reduzir as emissões de dióxido de carbono. Nada é perfeito e o caminho está em
construção, mas a cidade luta para o desenvolvimento de energias renováveis e
ampliação de ciclovias. Realmente é bastante complexo, mas as metas são
ambiciosas e o importante é fazer algo. Falar, todos falam, está na hora de arregaçar
as mangas e agir. Essas iniciativas e modelos de negócio engajados merecem
reconhecimento e nos dão boas ideias para replicarmos por aqui também.
Até a próxima!
Madeleine Muller
Fonte: Prestigeonline.com
Esta coluna foi originalmente postada no Bella+:Madeleine Muller (correiodopovo.com.br)
Cradle to Cradle* é um livro lançado em 2009 por
Willian Mcdonough e Michael Braungart