quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

 

Um shopping de usados onde a novidade é a consciência!

Quando pensamos no conceito de fim da vida útil de um produto (qualquer produto, não pense só na moda, mas em tudo o que você consome no seu dia-a-dia), é preciso vencer o estágio atual do “pegar-usar-descartar”, da chamada economia linear, e pensar numa abordagem mais holística: será que esses produtos poderiam ter mais de uma vida? E se eles não fossem considerados lixo e virassem insumo ou nutriente para uma nova cadeia, ou um novo ciclo? E se trocassem de dono após serem reparados ou transformados? Para evoluirmos nesse novo estágio de aproveitar melhor os recursos, que não são infinitos, precisamos de um sistema integrador e regenerativo que faça valer a economia circular, tema muito explorado no livro Cradle to Cradle*, com o mantra “criar e reciclar ilimitadamente”.

Ciclo de vida

Não seria ótimo se os recursos tivessem possibilidade de não se perderem em aterros sanitários ou incineradoras, gerando perda financeira e poluição, estando aptos a “voltar ao jogo”? Se pensarmos no vestuário, precisamos entender que as soluções para o fim da vida útil devem ser integradas durante todo seu ciclo de vida (pense nas suas roupas e calçados, o que você faz com elas quando as enjoa ou não as quer mais?), desde o design e a fabricação, passando pelo marketing, varejo e serviços, até a ajudar os consumidores a prolongarem o uso de suas roupas por meio de reparos, ajustes, esquemas de devolução, revenda, compartilhamento, reuso e opções de reaproveitamento. Escolhas de material no estágio de design desempenham importante papel em soluções para o fim da vida útil, já que materiais de baixa qualidade e materiais mistos que atualmente dominam a produção têxtil trazem consideráveis desafios tecnológicos em opções de reciclagem viáveis. Se entendermos que a roupa mais sustentável do mundo é a que já existe, talvez estejamos mais perto de uma solução, ao invés de só criarmos o problema.

Recursos não são infinitos

Este é um tema muito discutido na atualidade, com tanto desperdício de recursos preciosos e também porque exige-se um esforço coletivo para uma real mudança de paradigma, onde todos devem fazer a sua parte para um desenvolvimento sustentável nos negócios, sem prescindir do papel dos consumidores e suas demandas por produtos e serviços que se posicionem de forma positiva dentro dos pilares ambiental, social e econômico. Já existem muitas marcas, lojas e instituições atentas à política dos Rs (reduzir, repensar, reparar, reusar, ressignificar, reciclar...), algumas mais no discurso do que nas ações, verdade seja dita, mas percebe-se cada vez mais a aceitação do público a essas novas formas de valorizar e recomercializar o que já existe. Um bom exemplo disso é um shopping que foi lançado em 2015, inteiramente de coisas usadas, e que faz o maior sucesso. Ele próprio foi construído com materiais de construção de segunda mão. Localizado na Suécia, o ReTuna, é totalmente dedicado a dar vida nova a itens usados de moda, decoração e mobiliário. Localizado a uma hora de viagem de Estocolmo, na cidade de Eskilstuna, consiste em 14 lojas espalhadas por 5 mil m², empregando entre 50 e 65 pessoas. ReTuna foi uma brincadeira com o nome da cidade industrial Eskilstuna, que desde a década de 1990 se esforça para se tornar uma cidade sustentável. O @retuna_aterbruksgalleria foi, inclusive, eleito o primeiro shopping center do mundo designado para itens consertados, reciclados e restaurados, pelo Livro Guinness dos Recordes Mundiais em 2020. Atraindo cerca de 250.000 a 300.000 visitantes por ano, possui dois andares de lojas que vendem gadgets de tecnologia usados, livros, brinquedos infantis, artigos domésticos, e roupas, é claro. Como esses modelos de negócio requerem educação para produção e consumo mais conscientes, o shopping também oferece um curso de um ano em design de produtos reciclados, recebendo itens passíveis de recuperação ou restauração para a estação de retorno, previamente separados e categorizados. A partir dessa “curadoria”, eles são consertados, reparados ou transformados para serem vendidos no shopping, com base no plano de negócios de cada loja. O objetivo é explorar uma nova forma de fazer compras que resulte em menos danos ao meio ambiente. Todas as lojas no shopping devem operar de maneira ecologicamente correta e, se tiverem de comprar novos produtos - como café -, os itens devem ser orgânicos ou sustentáveis. Quem entrar no site do shopping lerá que “Sustentabilidade não é segurar e viver menos - mas conseguir mais com os recursos que já temos”.

Nivel de consciência aumentou

As compras em segunda mão aumentaram na Suécia, onde o “kopskam” (vergonha de comprar) e o “flygskam” (vergonha de voar) estão pesando na consciência dos suecos. O país pretende ser um líder ecológico tornando-se neutro em carbono até 2045, e Eskilstuna deseja ser independente de combustíveis fósseis. Equipada com uma central de coleta seletiva de última geração, a cidade já recicla ou transforma a maior parte de seus resíduos em energia. Mas a imagem verde tem algumas manchas. Carros lotam as ruas e estacionamentos da cidade, incluindo o estacionamento do ReTuna. Embora os ônibus do centro da cidade já operem com biogás, ainda há muito a fazer para reduzir as emissões de dióxido de carbono. Nada é perfeito e o caminho está em construção, mas a cidade luta para o desenvolvimento de energias renováveis ​e ampliação de ciclovias. Realmente é bastante complexo, mas as metas são ambiciosas e o importante é fazer algo. Falar, todos falam, está na hora de arregaçar as mangas e agir. Essas iniciativas e modelos de negócio engajados merecem reconhecimento e nos dão boas ideias para replicarmos por aqui também.

 

                               ReTuna em Eskilstuna, Suécia (Foto: @retuna_aterbruksgalleria)

 

Até a próxima!

Madeleine Muller

 

Fonte: Prestigeonline.com

Esta coluna foi originalmente postada no Bella+:Madeleine Muller (correiodopovo.com.br)

Cradle to Cradle* é um livro lançado em 2009 por Willian Mcdonough e Michael Braungart