quarta-feira, 14 de junho de 2017

Quando eu sou fútil

Por muito tempo me senti cansada, estressada ou sempre atrasada para o excesso de compromissos da minha vida. Esgotada é a palavra, física e emocionalmente. Sei que não sou a única pois a pressa em ser, ter e fazer tudo (ao mesmo tempo) é o mal da vida pós-moderna, ou da hipermodernidade, como a chamam alguns autores. Whatever.

Corra, Madi Lola, corra...
Parece que as demandas do dia-a-dia são cada vez maiores, sendo cada vez menor o tempo de que dispomos pra atendê-las, abrindo mão de"assuntos menores", mas também importantes pra nossa autoestima. Ir à manicure, por exemplo. Esse ato prosaico, fútil e desnecessário pra muita gente, é uma verdadeira higiene mental pra mim, sem falar que é mais barato que terapia (que eu até consideraria, mas não vamos entrar no mérito!) - Madi, vc não vem almoçar conosco? (bah, gurias, tenho um compromisso importante) sim, eu abria mão do almoço com as colegas pra ir à manicure, ao menos 1 x semana. Mas voltava ao trabalho com bom humor e disposição inacreditáveis pra uma barriga vazia. Há que se fazer escolhas, e entre o buffet da esquina e as minhas mãos, eu ficava com a segunda opção.
Mãos falam, mãos criam, acariciam, mãos podem fazer alertas!
Recentemente um par de mãos surgiu num canal em Veneza como forma de alerta à população para o aquecimento global. Elas "seguram" a cidade, que pode afundar se as águas continuarem subindo. A obra do artista Lorenzo Quinn ficará instalada até final de novembro.
Sempre olho as mãos das pessoas - e as minhas. Percebo se estão mal-cuidadas, os outros também (ok, não sei se percebem ou se importam, mas eu não posso ver uma unha lascada ou descascada: se é a minha, escondo as mãos debaixo da mesa, se é da interlocutora à minha frente, não consigo sequer encará-la, fico obcecada olhando aquelas mãos que falam comigo, é mais forte do que eu!). Não julgo ninguém pelas mãos ou unhas (mentira!), mas a primeira impressão é a que fica, jamais esqueço um aperto de mão mole ou uma unha descascada - será que Freud explica?
Ok, me julguem!

Talvez seja toque. Mera futilidade, excesso de vaidade - chamem do que quiserem - o fato é que o ritual de sentar frente a frente com a terapeuta manicure, jogar meia hora de conversa fora enquanto beberico um cafezinho com a mão livre, liberta meus pensamentos e me faz sentir leve, prestes a alçar vôo, feito uma Vitória de Samotrácia (bem, ela não tem braços, não sei como eram as mãos, e quem se importa com isso diante de tão bela imagem?) #eumedesdizendo


Na entrada principal do Louvre, no alto da escadaria, ela recebe os visitantes de braços asas abertas
Sentada com meu café, olho o esmalte escuro sendo passado, pincelada por pincelada. Penso em Pollock. Queria que a manicure me atirasse os esmaltes em fúria, criando obras de arte na ponta dos meus dedos. Nessas horas, sou fútil, bem fútil. Sei que existem coisas muito mais importantes acontecendo, desastres de todo tipo, ameaças nucleares, alterações climáticas, o país vai mal, a política pior ainda, mas o mundo pode esperar. Este esmalte é ultra rápido na secagem, é só um minutinho: já volto pra realidade.