Moda, Covid e Sustentabilidade
Após o período de confinamento e restrições, por mais
previsões e estimativas dos experts da indústria e do varejo de moda, não temos
bola de cristal nem certezas quanto ao futuro do setor, exceto a de que não
temos controle de tudo, que as mudanças existirão, como sempre existiram nos
períodos de pós-guerra e pós-pestes (vide a gripe espanhola), onde as
estruturas das sociedades abaladas por eventos trágicos precisaram ser refeitas
e o foram. Isso requer um olhar otimista para o futuro e uma esperança ativa,
essa capacidade humana de acreditar, resistir e dar a volta por cima, quiçá
para um novo estilo de vida. Vivemos essa transição.
A tal “normalidade”, seja lá o que a define neste momento, está
sendo reconstruída no desenrolar da história, onde todos somos protagonistas na
medida das nossas ações, pequenas ou grandes, passo a passo, um dia de cada
vez. A moda acompanha esses movimentos
orgânicos, como espelho de seu tempo. A questão é se o que aprendemos (ou não)
até aqui nos tornará seres melhores, piores ou indiferentes ao nosso próximo.
Nunca se ouviu falar tanto em empatia, e nunca essa palavra foi tão banalizada,
assim como propósito, ambas usadas em discursos bonitos, mas nem sempre
efetivadas nas atitudes, concretamente.
Em termos de sustentabilidade econômica, para além do pilar
social, é chegada a
hora de alavancar a economia (ou uma nova economia), sem perder de vista as soluções para velhos problemas como a
poluição, o desmatamento e as mudanças climáticas. Como já é sabido, a
indústria global da moda consome muita energia, polui e desperdiça em níveis
exorbitantes, causando um grande impacto ambiental ao planeta. É responsável
por 20% a 35% dos fluxos de microplásticos no oceano, superando a emissão de
carbono dos vôos internacionais. Somente o setor têxtil responde por 6% das
emissões de gases de efeito estufa e por 10% a 20% do uso de pesticidas no
mundo e o Brasil é um dos campeões no seu uso, se não for o maior.
A questão dos químicos utilizados em várias etapas da longa
e complexa cadeia da moda é muito preocupante pois envolve a saúde de toda a
população, na medida em que afeta o meio ambiente e requer fiscalização
constante, já que a conscientização sobre essas práticas ainda não é suficiente
para conter os danos causados. Lavagens, solventes e corantes utilizados na
fabricação de tecidos são responsáveis por 1/5 da poluição industrial da água,
isso sem falar no uso excessivo desse recurso precioso. A maioria da roupa
produzida é descartada, sendo apenas 15% doada ou reciclada. Apesar de alguns
progressos, ainda estamos longe do ideal com processos que sejam regenerativos
de todo o sistema e que maximizem a eficiência no uso dos recursos, evitando o
desperdício e os impactos negativos no meio ambiente.
Segundo o relatório Mckinsey, a crise atual deverá ser
lembrada como um momento darwiniano para a indústria da moda em todo o mundo,
colocando em cheque sua forma de sobrevivência e adaptação aos novos tempos.
Que de novos, nada terão, se continuarem reproduzindo os formatos antigos de
produção, gestão e consumo irresponsáveis, em total desequilíbrio com os
princípios mais elementares para um desenvolvimento sustentável.
As empresas que já estavam em dificuldades vão entrar em
declínio ou não irão retornar, enquanto que as que já vinham se adaptando ao
novo ambiente de mercado e avaliando as oportunidades de inovar com impactos
positivos, vão permanecer, ou têm mais chance de. Ainda é cedo para entender
esse processo de seleção natural, dos que vão e dos que ficam, mas já é tarde
para quem não fez nada até aqui e ficou no mesmo lugar. Não existe mais esse
lugar, vivemos a modernidade líquida, temos de ser flexíveis e reaprender a nos
mover num mundo que está sinalizando várias direções, o que por si só, já nos
traz uma insegurança, de forma subjacente. Para onde ir? Seremos incluídos ou
excluídos do “mundo novo”?
É verdade que o ambiente de moda acentua continuamente o
significado das mudanças em função da sua própria natureza (moda são modos e
sua única constante é a mudança!) e das modificações do sistema que o rege. No
entanto, num contexto de crise, mais do que se adaptar ao sistema, é preciso
melhorá-lo e buscar ajustes para as suas disfunções, gargalos, ações e omissões,
encontrando reais possibilidades de inovação por meio do uso de novos drivers,
conceitos e tecnologias em formatos digitais ou híbridos, que façam sentido
para o momento. E tudo isso precisa ser humanizado. Não dá para fingir que nada
aconteceu e retomar o normal, se o normal que vivemos até aqui não garantiu a
sobrevivência e a igualdade de meios de vida para todos. Isso vale para as
pessoas e também para as empresas, na medida em que tanto os grandes quanto os
pequenos negócios deverão rever seu posicionamento no mercado, sua forma de ser
e estar num mundo tão desigual, onde poucos dominam e usufruem da maioria dos
recursos, enquanto a maioria dispõe de muito pouco, retomando aqui o Princípio
de Pareto.
A pandemia trouxe à luz os invisíveis, as minorias (que
sempre estiveram à margem, mas ninguém queria ver ou mexer nisso), que agora
aparecem de forma tão contundente quanto um tapa na cara, de toda a sociedade.
A retomada pede mais humanização, senso de coletividade e colaboração, sendo o
diálogo, entre todos os elos da cadeia, indispensável para a reconstrução do
setor. Nessa perspectiva, a moda, como vetor de mudanças e agente de comunicação,
mas também de transformação de realidades, pode promover e disseminar novos
valores e estimular o mercado na recuperação econômica com práticas que também
promovam a justiça social e a preservação ambiental, na mesma medida,
alicerçadas numa cultura que preze a sustentabilidade e o consumo consciente
como princípios básicos, sob pena de levarmos a civilização ao colapso.