quinta-feira, 3 de setembro de 2020

 

Moda, Covid e Sustentabilidade

 

Após o período de confinamento e restrições, por mais previsões e estimativas dos experts da indústria e do varejo de moda, não temos bola de cristal nem certezas quanto ao futuro do setor, exceto a de que não temos controle de tudo, que as mudanças existirão, como sempre existiram nos períodos de pós-guerra e pós-pestes (vide a gripe espanhola), onde as estruturas das sociedades abaladas por eventos trágicos precisaram ser refeitas e o foram. Isso requer um olhar otimista para o futuro e uma esperança ativa, essa capacidade humana de acreditar, resistir e dar a volta por cima, quiçá para um novo estilo de vida. Vivemos essa transição.

A tal “normalidade”, seja lá o que a define neste momento, está sendo reconstruída no desenrolar da história, onde todos somos protagonistas na medida das nossas ações, pequenas ou grandes, passo a passo, um dia de cada vez.  A moda acompanha esses movimentos orgânicos, como espelho de seu tempo. A questão é se o que aprendemos (ou não) até aqui nos tornará seres melhores, piores ou indiferentes ao nosso próximo. Nunca se ouviu falar tanto em empatia, e nunca essa palavra foi tão banalizada, assim como propósito, ambas usadas em discursos bonitos, mas nem sempre efetivadas nas atitudes, concretamente.

Em termos de sustentabilidade econômica, para além do pilar social, é chegada a hora de alavancar a economia (ou uma nova economia), sem perder de vista as soluções para velhos problemas como a poluição, o desmatamento e as mudanças climáticas. Como já é sabido, a indústria global da moda consome muita energia, polui e desperdiça em níveis exorbitantes, causando um grande impacto ambiental ao planeta. É responsável por 20% a 35% dos fluxos de microplásticos no oceano, superando a emissão de carbono dos vôos internacionais. Somente o setor têxtil responde por 6% das emissões de gases de efeito estufa e por 10% a 20% do uso de pesticidas no mundo e o Brasil é um dos campeões no seu uso, se não for o maior.

A questão dos químicos utilizados em várias etapas da longa e complexa cadeia da moda é muito preocupante pois envolve a saúde de toda a população, na medida em que afeta o meio ambiente e requer fiscalização constante, já que a conscientização sobre essas práticas ainda não é suficiente para conter os danos causados. Lavagens, solventes e corantes utilizados na fabricação de tecidos são responsáveis por 1/5 da poluição industrial da água, isso sem falar no uso excessivo desse recurso precioso. A maioria da roupa produzida é descartada, sendo apenas 15% doada ou reciclada. Apesar de alguns progressos, ainda estamos longe do ideal com processos que sejam regenerativos de todo o sistema e que maximizem a eficiência no uso dos recursos, evitando o desperdício e os impactos negativos no meio ambiente.

Segundo o relatório Mckinsey, a crise atual deverá ser lembrada como um momento darwiniano para a indústria da moda em todo o mundo, colocando em cheque sua forma de sobrevivência e adaptação aos novos tempos. Que de novos, nada terão, se continuarem reproduzindo os formatos antigos de produção, gestão e consumo irresponsáveis, em total desequilíbrio com os princípios mais elementares para um desenvolvimento sustentável.

As empresas que já estavam em dificuldades vão entrar em declínio ou não irão retornar, enquanto que as que já vinham se adaptando ao novo ambiente de mercado e avaliando as oportunidades de inovar com impactos positivos, vão permanecer, ou têm mais chance de. Ainda é cedo para entender esse processo de seleção natural, dos que vão e dos que ficam, mas já é tarde para quem não fez nada até aqui e ficou no mesmo lugar. Não existe mais esse lugar, vivemos a modernidade líquida, temos de ser flexíveis e reaprender a nos mover num mundo que está sinalizando várias direções, o que por si só, já nos traz uma insegurança, de forma subjacente. Para onde ir? Seremos incluídos ou excluídos do “mundo novo”?

É verdade que o ambiente de moda acentua continuamente o significado das mudanças em função da sua própria natureza (moda são modos e sua única constante é a mudança!) e das modificações do sistema que o rege. No entanto, num contexto de crise, mais do que se adaptar ao sistema, é preciso melhorá-lo e buscar ajustes para as suas disfunções, gargalos, ações e omissões, encontrando reais possibilidades de inovação por meio do uso de novos drivers, conceitos e tecnologias em formatos digitais ou híbridos, que façam sentido para o momento. E tudo isso precisa ser humanizado. Não dá para fingir que nada aconteceu e retomar o normal, se o normal que vivemos até aqui não garantiu a sobrevivência e a igualdade de meios de vida para todos. Isso vale para as pessoas e também para as empresas, na medida em que tanto os grandes quanto os pequenos negócios deverão rever seu posicionamento no mercado, sua forma de ser e estar num mundo tão desigual, onde poucos dominam e usufruem da maioria dos recursos, enquanto a maioria dispõe de muito pouco, retomando aqui o Princípio de Pareto.

A pandemia trouxe à luz os invisíveis, as minorias (que sempre estiveram à margem, mas ninguém queria ver ou mexer nisso), que agora aparecem de forma tão contundente quanto um tapa na cara, de toda a sociedade. A retomada pede mais humanização, senso de coletividade e colaboração, sendo o diálogo, entre todos os elos da cadeia, indispensável para a reconstrução do setor. Nessa perspectiva, a moda, como vetor de mudanças e agente de comunicação, mas também de transformação de realidades, pode promover e disseminar novos valores e estimular o mercado na recuperação econômica com práticas que também promovam a justiça social e a preservação ambiental, na mesma medida, alicerçadas numa cultura que preze a sustentabilidade e o consumo consciente como princípios básicos, sob pena de levarmos a civilização ao colapso.

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